Caneta tinteiro – preservando a arte da escrita

Em tempos de computação móvel extrema, onde usamos smartphones com poder computacional mais poderoso do que os primeiros computadores de navegação usados na já extinta space shuttle, a escrita a mão é uma arte a ser preservada.

É através da escrita que as grandes obras e história da humanidade é eternizada. E os métodos, apesar de diversos, como escrita em tábuas de argila feitas na antiga Suméria até rolos de cobre na Palestina, passando por papiros no Egito, a forma mais tradicional de transmissão de cultura, códices, hábitos, leis, história, filosofia, religião, enfim, é feita através da escrita a tempos que remontam pelo menos 100.000 anos.

E para manter essa prática salutar em dia, nada melhor do que utilizar canetas tinteiro, seja de qualquer tipo for, desde ao clássicas consideradas joias e obras de arte, até as mais simples para as tarefas do cotidiano. E se podemos nos dar ao luxo em colecionar algumas peças com base em algumas premissas, melhor ainda o hábito da escrita.

Preferencialmente, utilizo canetas fabricadas até a década de 80, que tenham penas de ouro, em quilates que variam de 14k a 22K.

Pilot Ceremony Fountain Pen 14k gold nib
Detalhe da pena em ouro 14K da caneta Pilot Ceremony, fabricada no Japão

Apenas um parentese quanto a preferência pelo ouro, é que não há associação ao valor financeiro. Em regra geral, existem apenas dois metais puros na natureza, que não são brancos, sendo eles o ouro e o cobre. O ouro mantém sua cor e brilho por longo tempo, pois é pouquíssimo reativo com o oxigênio do ar, e apesar de ter outra propriedade extremamente valiosa na engenharia eletrônica – é um metal de extrema condutibilidade elétrica e baixa oxidação – é utilizado em penas de caneta tinteiro.

Tanto ouro quanto cobre, no estado puro, têm uma rigidez baixíssima. São metais bastante moles e isso por si, já os inviabiliza para serem usados em penas em sua forma pura. Penas precisam obrigatoriamente ser elásticas e a baixa rigidez do material, o torna plástico. E assim, criam-se ligas metálicas para conferir ao material a elasticidade adequada e a sua durabilidade por décadas.

Um quilate (abreviação kt), é uma unidade de medida de massa que corresponde a 0.2 g (5 quilates = 1 g). Quando especificamos “ouro 24 kt”, nos referimos ao ouro puro, ou seja, em cada 24 quilates de material, há 24 quilates de ouro puro. Quando se fala em ouro 22 kt, significa que em cada 24 quilates de material, há 22 quilates de ouro puro (22 / 24 = 91.6% de ouro puro na liga). Ouro 18 kt é 18 / 24 = 75% de ouro puro na liga. Assim sucessivamente até o ouro mais baixo disponível comercialmente, que é o ouro 12, que tem apenas 50% de ouro puro na liga.

Apesar de não existir padronização, a liga mais comum para penas de ouro, é a liga 14 kt (14 / 24 = 58.3% de ouro puro na liga). Alguns fabricantes, produzem penas em ouro 18 kt e existem casos onde se chega a ouro 22 kt. De qualquer forma, é importante lembrar, que o mais importante numa pena, não é seu valor em função do teor de ouro e sim a elasticidade, que é determinada pela liga correta.

Curiosamente não são os Europeus os únicos nem os melhores artistas – podemos dizer assim – a fabricar penas de caneta tinteiro, em particular de ouro.

Talvez os japoneses mesmo sem o brilho de Mont Blanc, Waterman, Aurora, Parker e outros mais, sejam os mais criativos e precisos fabricantes de penas para canetas tinteiros. As marcas mais tradicionais são familiares e o conhecimento e método de produção é passado a cada geração.

Um fabricante tradicional de canetas tinteiros no Japão é a Pilot, que fornece a solução completa de escrita, incluindo naturalmente a tinta de fabricação própria, desenvolvida com base nos requerimentos das próprias penas.

Pilot Ceremony Fountain Pen 14k gold nib
Caneta Pilot Ceremony fabricada no Japão, cores vermelha e preta

Só lembrando que a tinta é componente chave da escrita, não só pelas suas características de pigmentação, mas especialmente quanto a sua viscosidade para o correto fluxo da tinta no alimentador e na pena que irá transferir a tinta para o papel.

Uma caneta que utilizo para o cotidiano é a Pilot Ceremony, fabricada no Japão na década de 80-90 que curiosamente a pena é de ouro 14K. Seu clip e anel é banhado a ouro do mesmo quilate, mas a pena utiliza a liga de ouro 14k o que além da qualidade da escrita e sua durabilidade ao longo do tempo, é extremamente precisa e geralmente fabricada em “bitola” F (fina) mais indicada para escrita precisa.

Pilot Ceremony Fountain Pen 14k gold nib
Estojo da caneta Pilot Ceremony, que acompanha um cartucho de tinta, um conversor tipo aerométrico e certificado de garantia

Interessante observar que a caneta acompanha um cartucho de tinta e um conversor do tipo “aerométrico” que consiste em um saco plástico dentro de um tubo com uma pequena haste metálica onde se pressiona com o conversor mergulhado no vidro de tinta, para expulsar o ar, e o movimento ao contrário suga a tinta preenchendo o recipiente plástico. Esse método foi introduzido a décadas pela Parker americana na caneta denominada “aerometric”.

Pilot Ceremony Fountain Pen 14k gold nib
Tipo de conversor aerométrico – sistema de saco de plástico flexível para sugar tinta do vidro e alimentar a caneta tinteiro

Apesar da maioria dos usuários utilizar esse conversor para alimentar de tinta a caneta, eu incluso, seu uso é controverso pois a Pilot publica em japonês uma instrução onde esse cartucho é para ser utilizado somente para LIMPEZA da caneta, naturalmente, do sistema de alimentação e pena, e não como recurso para carga de tinta.

Para completar o conjunto de escrita de caneta tinteiro, não poderia deixar de se comentar sobre a tinta, que a própria Pilot desenvolve, que tem ótima característica de manter a cor ao longo do tempo no papel, assim como seca rápido e é perfeitamente adequada a pena F (fina) característica das penas japonesas.

Pilot Ink Made in Japan
Tinta desenvolvida e fabricada no Japão pela Pilot

E terminamos essa pequena apresentação da fabricação da caneta Nakaya Urushi, lembrando que o tipo de papel a ser utilizado será determinante para a qualidade da escrita.

Neste video original legendado em japonês, podemos ver o processo de fabricação das canetas tinteiro japonesas, demonstrando os materiais utilizados e os processos de produção e testes do produto final. Interessante observar que os componentes principais da caneta, notadamente o alimentador e a pena de ouro, são realçados, mostrando como o alimentador funciona fazendo com que a tinta seja absorvida e seu fluxo de tinta se torne permanente e uniforme.

Bem diferente das canetas com tinta baseadas em óleo, notoriamente as esferográficas, que aceitam praticamente qualquer tipo de papel para escrita, o material a ser utilizado para canetas tinteiro certamente precisa ser diferenciado, para que não se borre a escrita, não manche a parte de trás da folha, e que as características da pena – se fina, média, grossa, itálica enfim – serão utilizadas corretamente.

Mas esse assunto fica para outra oportunidade.

About admin

Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
This entry was posted in Fountain Pen. Bookmark the permalink.